Notícia publicada no site oficial da UFV no dia 04/12/2019 (https://www2.dti.ufv.br/noticias/scripts/exibeNoticiaMulti.php?codNot=31865&link=corpo)
Aos 26 anos, a farmacêutica Yasmin Neves Vieira Sabino acaba de ter um artigo publicado na Nature Communications, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo. O artigo conclui que o estômago dos animais ruminantes, como os bovinos, contém bactérias resistentes a quase todos os antibióticos que conhecemos. O trabalho traz ainda uma grande novidade para a ciência e um desafio para as medicinas humana e veterinária: algumas espécies de bactérias que colonizam o rúmen possuem novos mecanismos para transferir os genes de resistência aos antibióticos para outras espécies, impactando na resposta desses microrganismos aos tratamentos conhecidos pela medicina.
Para compreender o alcance do trabalho, é preciso lembrar que, além de serem usados para combater doenças bacterianas, os antibióticos também são utilizados, em dosagens baixas, como rotina na alimentação dos animais para promover o crescimento deles. Nestas dosagens, os antibióticos promovem a seleção de bactérias resistentes, dificultando o combate às doenças. O problema é estes microrganismos resistentes podem atingir os humanos, principalmente por meio da sua liberação nas fezes ou pela contaminação de produtos de origem animal, como carne e leite.
A falta de alternativas terapêuticas para combater bactérias cada vez mais resistentes já é um problema de saúde pública em todo o mundo. Mas a pesquisadora esclarece que a culpa pelo aumento da incidência de bactérias multirresistentes não pode ser atribuída apenas ao uso de antibióticos na alimentação animal. A utilização inadequada em humanos e os tratamentos administrados e interrompidos sem orientação médica também contribuem para a seleção de bactérias resistentes a múltiplos antibióticos.
A pesquisa
O trabalho publicado é fruto da dissertação de mestrado de Yasmim no Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola da UFV, orientada pelo professor Hilário Mantovani. Durante a pesquisa, ela avaliou os genomas de bactérias ruminais disponíveis na literatura científica para identificar genes de resistência aos antibióticos. “Agora, nós sabemos qual destes genes está presente em cada uma das centenas de bactérias ruminais que já tiveram seus genomas sequenciados”, disse a pesquisadora.
No período em que esteve na Queens University, na Irlanda do Norte, para ampliar a pesquisa, Yasmin validou a resistência em testes de laboratório (in vitro), comprovando que os genes de resistência estavam sendo expressos nas bactérias do rúmen. Ela também descobriu que o gene de resistência à tetraciclina, um dos antibióticos que foram mais usados na alimentação dos animais por muito tempo e que ainda é administrado para fins terapêuticos, vem sendo selecionado ao longo do tempo e está distribuído em diversas espécies de bactérias do trato gastrointestinal de animais.
A maior contribuição do trabalho, entretanto, foi a descoberta de um novo elemento genético móvel, capaz de transferir o gene de resistência à tetraciclina para diferentes bactérias. “Uma bactéria inofensiva, e até benéfica no rúmen, pode transferir o gene de resistência a uma linhagem patogênica. Esse cenário inviabilizaria o uso da tetraciclina como opção terapêutica”.
Para o professor Hilário Mantovani, a caracterização do novo elemento carreador de resistência alerta para o risco do uso de antimicrobianos na produção animal. “O rúmen pode funcionar como um reservatório de genes de resistência a antibióticos que podem ser transferidos para o ambiente em escala maior do que pensávamos, representando um risco potencial para a saúde humana e animal”, explicou o orientador do trabalho.
Yasmin também foi premiada no Simpósio Internacional em Medicina Veterinária (SimVet), realizado de 14 a 17 de novembro, na UFV. Para o trabalho apresentado no evento, ela correlacionou os resultados do artigo publicado na Nature Communications com a resistência aos antibióticos em bactérias do trato gastrointestinal de humanos, reforçando a hipótese da possível transferência de genes de resistência de animais para humanos e vice-versa. “Nós verificamos que os mesmos genes que promovem a resistência em bactérias nos animais estão presentes em bactérias do intestino de humanos, o que evidencia a ocorrência dessa transferência. Esse fato representa uma ameaça para a saúde animal e de humanos”, disse Yasmim que, agora, dá continuidade ao trabalho no doutorado na UFV.
Léa Medeiros
Divulgação Institucional- campus Viçosa