Lutecia e Cynthia trabalham juntas no Laboratório de Microbiologia Ambiental Aplicada

Sessenta e três por cento dos estudantes aprovados para ingressar no PPG Microbiologia Agrícola (PPGMBA) no último ano são mulheres. E mais: em 2023, das 15 defesas de doutorado feitas pelo programa, dez foram realizadas por mulheres (66,7%), e das 14 defesas de mestrado, 11 são a coroação da ciência produzida por elas (78,6%). Mas se a combinação mulheres e ciência é algo que nos soa relativamente natural no início de 2024, não era esse o cenário em que viviam jovens cientistas de décadas atrás. Ainda hoje, apesar dos avanços, muitas delas precisam lutar, dia após dia, para terem seus méritos reconhecidos. “Falar sobre a participação feminina na ciência é uma tarefa muito prazerosa e, ao mesmo tempo, delicada”, destaca a estudante Lutecia Medina, representante discente do PPGMBA. “O preconceito, a estrutura patriarcal da sociedade, tudo isso atrasou muito a participação das mulheres no ambiente científico. Fomos por anos invisibilizadas. Só atualmente a gente consegue enxergar um pouco mais essa participação.”

Para reforçar esses avanços e mobilizar mais gente em torno da importância do trabalho feminino, celebra-se, em 11 de fevereiro, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. “A área de microbiologia em geral é um ambiente onde  as mulheres são bem aceitas, creio que a percentagem feminina e masculina é mais equilibrada”, avalia a professora Cynthia Canedo, orientadora do PPGMBA. Coordenadora de uma equipe de trabalho quase 100% feminina, Cynthia exalta a competência das mulheres para a ciência, mas reconhece as dificuldades ainda presentes no dia a dia.

A formação de uma equipe com forte presença feminina foi, ela conta, um processo natural, acontecido ao longo dos anos. “As jovens cientistas estão chegando mais empoderadas! Temos também relações aluno-professor mais horizontais, e eu faço questão de passar minhas experiências e encorajá-las, sem distinção nenhuma. A estudante vai lá, cuida de biorreator, manipula recipientes de 30 litros contendo efluente industrial e doméstico, não tem diferença para o trabalho de um homem.” O que acontece, segundo o relato da professora, são casos de resistência por parte de alguns homens que, em passagem pela equipe, tiveram dificuldade de lidar com a liderança feminina. “Às vezes, é o homem que está lá e não aceita as instruções ou orientações das colegas e, em alguns casos, nem as minhas. Mas esses, os machistas, não sobrevivem no laboratório.”

Lutecia, uma das cientistas integrantes da equipe de Cynthia, concorda que o ambiente tem se tornado mais favorável. “No nosso departamento, temos uma acolhida muito boa. Mas vejo muitas pessoas passando por desafios ainda, muitas coisas contra as quais ainda temos que lutar. Dentro da Universidade mesmo, nós temos professores com uma visão antiga, e em alguns casos, é muito difícil esse diálogo. Estamos em um momento de construção, de diálogo, e precisamos nos apoiar’, diz a estudante, ressaltando que a atenção a essas questões é uma das tarefas que a motiva como representante discente. “Eu estou de olho nisso, nas questões de assédio. Temos muitos casos de pessoas que enfrentaram problemas com isso no passado, e esse é um assunto delicado, que tem impacto direto nas carreiras das mulheres.”

Liderança
“No meu caso, o processo de construção da minha carreira foi bem natural. Não senti grandes dificuldades para encontrar meu lugar. Mas, curiosamente, no início, quando conquistei um posto de liderança, comecei a perceber em algumas ocasiões um tratamento diferenciado associado ao fato de eu ser mulher”, avalia a professora, referência em microbiologia ambiental e agraciada com o Prêmio Inventor Petrobras 2023. “Como, por exemplo, alguns pesquisadores, que poderiam me chamar para parcerias, preferiram chamar um homem! Em alguns casos, isso ficou claro. Acho que é cultural, que muitas vezes não é intencional, mas acontece.”

Neste contexto, Lutecia destaca a importância das referências, para que meninas e jovens cientistas possam projetar um futuro de sucesso na ciência. “Eu trabalho com a professora Cynthia desde a graduação, e isso ajuda muito. Nosso grupo é composto por muitas mulheres, e a gente vê um trabalho de excelência sendo produzido. E, assim como a professora nos incentiva, eu pretendo um dia também estar incentivando outras mulheres.”

Talentos diversos
Apesar das diferenças de condições na construção da carreira – especialmente em função dos múltiplos papéis impostos às mulheres pela sociedade – ambas as pesquisadoras veem as mulheres, hoje, prontas a ocupar papéis de destaque. “Eu vejo as mulheres fazendo ciência fina, realizando grandes pesquisas, sem deixar nada a desejar. Hoje estamos quebrando paradigmas, recebendo reconhecimento porque estamos fazendo uma ciência tão bem-feita quanto a produzida por homens, e historicamente não havia espaço pra isso”, diz Cynthia. “Acho que a ciência feita por mulheres é um retrato da nossa própria diversidade. Somos muitas, e com percepções diferentes. Carregamos o nosso jeito de ser no nosso trabalho, e não podemos deixar prevalecer a ideia de que somos todas iguais e limitadas a determinados papéis.”